Loneliness — Unsplash

A sociabilidade no retorno às atividades presenciais

Larissa Vasconcelos
11 min readOct 10, 2021

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Por: Anthony Teixeira, Guilherme Henriques Gonçalves, Jorge Pacheco, Larissa Vasconcelos e Rayssa Mambach

Apenas 40% da população nacional está com o ciclo de vacinação completo, ainda que a vacinação esteja avançando, o uso de máscara e o distanciamento social são medidas que devem ser cumpridas. Mesmo que, de diferentes formas e em variados níveis, a ausência de interação seja prejudicial para a sociabilidade das pessoas, visto que é próprio da natureza humana viver em sociedade.

Acesse o podcast “A interação social é realmente necessária?” para ouvir um diálogo aprofundado sobre isso.

Quando a pandemia começou, e consequentemente as regras de distanciamento e o isolamento, parece ser uma unanimidade que se esperava que ela passasse rápido, que dentro de algumas semanas, no máximo poucos meses, estaríamos retornando para nossas rotinas, familiares e amigos. Entretanto, mais de um ano se passou e ainda estamos em pandemia.

Perderam-se familiares, amigos, conhecidos para a Covid-19, houve intensificação e relaxamento das regras de distanciamento social, surtos da doença pipocaram aqui e ali.

Até que, pelo menos, os números de contágio comecem a cair, ainda precisamos usar a máscara e ficar em regime de distanciamento social. Isso porque, mesmo com a vacinação, há possibilidade de transmissão com o surgimento de novas variantes do vírus SARS-Cov-2, como a cepa Delta, que já causa novas ondas de internações nos Estados Unidos e no Reino Unido.

É natural um vírus, durante o processo de replicação, sofrer erros e ser alterado. Quando essas alterações são acumuladas, passa a ser chamado de variante. O coronavírus tem diversas variantes, inclusive, no Brasil foi originada a Gama, que é a mais frequente no país, embora, o contágio pela cepa Delta esteja avançando e seja a mais perigosa, sendo a causa de novos surtos do coronavírus na Europa.

Contudo, segundo estudos, as vacinas da Pfizer (BioNTech), Astrazeneca (Fiocruz) e da Corona Vac (Butantan) são eficazes contra a variante Delta. O laboratório responsável pela vacina da Janssen (Johnson & Johnson) também afirma a eficácia apesar da variante.

Dessa forma, a vacina é necessária, mas sozinha não controla a pandemia, é preciso continuar cumprindo as regras de contenção ao contágio pelo coronavírus, utilizando a máscara e fazendo o distanciamento social, para que, futuramente, os hábitos comuns, como sair, confraternizar com outras pessoas, respirar ao ar livre sem a utilização de máscaras, sejam possíveis.

Além da saúde física

Além do medo da doença, que pode causar graves problemas de saúde, deixar sequelas ou levar à morte, ainda há um outro problema trazido pela pandemia: o próprio distanciamento social e o quanto esse regime afeta emocionalmente cada indivíduo.

Regiane Carvalho (psicanalista): o distanciamento social pode afetar pessoas com e sem depressão — Print de Anthony Teixeira

Para a psicanalista Regiane Carvalho, professora convidada de pós-graduação na Universidade Sorocaba (Uniso), em Sorocaba, São Paulo, especialista em interpretação de desenhos, dependência emocional e parentalidade, o distanciamento social afeta muito na sociabilidade das pessoas, pois as deixa em solidão, principalmente a pessoa introspectiva, que já tinha dificuldades em ter interações sociais, que agora, neste período de pandemia, se isola mais e vai ter muito mais trabalho para voltar a socializar. Embora, mesmo as pessoas que não têm predisposição a depressão podem acabar ficando mais deprimidas devido a ausência de sociabilidade. Segundo a profissional, com o retorno às atividades presenciais aparece a ansiedade, o estresse desse retorno à rotina. Além disso, há um outro fator importante para ser levado em conta na sociabilização: o ganho de empatia. Os adultos são mais passíveis de sentir empatia devido ao contato social, “Essa questão de socializar vai gerar empatia, vai gerar gratidão, faz com que nós nos tornemos melhores, porque você ficar muito isolado, você não consegue olhar para o outro e sentir empatia pela dor dele, porque você não se importa com o outro.” afirma Regiane.

Ivan Dourado (sociólogo) enfatiza que é próprio da natureza humana a sociabilidade — Arquivo Pessoal

O sociólogo Ivan Penteado Dourado, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal de Passo Fundo (UPF), atua também como consultor e assessor pedagógico/educacional. Ele realiza palestras e oficinas de formação de professores, pais e alunos da educação pública e privada, Dourado conta que a essência do ser humano é conviver com outros humanos, o ser humano só se humaniza a partir do convívio com os demais: “É essencial a interação social para a própria socialização e a própria socialização vai determinar o tipo de ser humano que a gente vai ter. Por isso que as pessoas que nos cercam são tão importantes, porque elas vão definir o tipo de ser humano que a gente vai ser no futuro. Então, a gente não nasce humano, a gente se torna humano e nós somos única espécime no reino animal que é antecedido por um verbo, a nossa definição não é o humano, nós somos ‘ser humano’ e como é um verbo a gente está em constante humanização”.

Há o medo do amanhã, do que vai acontecer, da estabilidade no emprego, o medo de ficar doente, de perder um conhecido ou o luto de já ter perdido um. E essa instabilidade toda gera muita ansiedade. Devido a todos esses fatores, Regiane afirma que a procura por ajuda de um profissional especializado aumentou, mas que ainda nem chegamos ao momento mais complicado, quando realmente houver o retorno ao normal. “Quando abrir (os locais) novamente é que a gente vai cair em si do quanto essa pandemia foi séria para a questão da nossa saúde mental. Então, hoje você vê: morreu 500 mil… Parece que tá tão distante, mas na hora que você começar a voltar e ver que aquela pessoa não está mais, que aquela loja fechou, aquele lugar que você gostava de frequentar… Aí que a gente vai ficar com essa questão de mais problemas emocionais. Estamos no começo só.”, explica a psicanalista.

Como ainda estamos em pandemia, não é possível medir, através de estudos, quais as consequências sociais e psicológicas desse rompimento da socialização direta. Mas Dourado explica que há pesquisas desenvolvidas a respeito do regresso à vida normal após o isolamento social causado por outros motivos, como no caso do cárcere. Nessa situação o indivíduo, quando retorna a sociedade, passa pelo processo de ressocialização, o qual é bastante difícil. Esse processo pode ser comparado ao distanciamento e isolamento social vividos na pandemia.

Para o sociólogo, problemas como a ansiedade podem decorrer não apenas desse retorno às atividades presenciais, como também do acesso exacerbado às informações durante a pandemia. “Quase todas as pessoas têm algum nível de ansiedade ou de hiperatividade, em decorrência desse grande estímulo e acesso à informação em que a gente está o tempo todo conectado, e isso vai ter consequências assim como a própria pandemia e esse isolamento social maior (também gera consequências)”.

Dourado ainda enfatiza que o ambiente e o contato digital não substituem a interação presencial. O que fica evidente na educação, pois o estudo presencial tem um desenvolvimento e uma constituição profissional que não é abarcado pelo ensino online.

Confira o nosso vídeo sobre ensino básico online e pandemia.

Como as pessoas têm sentido os efeitos do distanciamento social?

Fernanda Noronha (estudante) na pandemia aumentou a ingestão de alimentos devido ao tempo em casa que a afetou física e psicologicamente — Arquivo pessoal

Para a estudante de Marketing, Fernanda Noronha, de 21 anos, que mora em Novo Hamburgo, a pandemia trouxe insegurança no começo, contudo, agora que as pessoas estão sendo vacinadas, a insegurança diminuiu mas não sumiu por completo, pois ainda há muitas pessoas não imunizadas. Na empresa de telemarketing que Fernanda trabalhava até maio de 2021 havia opção de home-office, mas no novo emprego, uma empresa de cursos, a estudante retornou ao trabalho presencial, pois a empresa estava seguindo todos os protocolos e não ofertou o home-office. Com a maioria dos colegas vacinados, a estudante afirma que a empresa tornou as regras mais liberais. Fato que também se reflete na sua vida privada, que também tornou-se mais liberal em relação a todas as normas de segurança. Para Fernanda, a pandemia afetou significativamente o seu psicológico, pois ela adora sair e com a pandemia, precisou mudar esse hábito, interrompendo uma rotina que a fazia bem.

Vitória Lucca (estudante) se sente confortável com a volta às aulas na modalidade presencial — Foto: Arquivo Pessoal

Já para Vitória Lucca, aluna do curso de odontologia, em Santa Maria, a pandemia não afetou muito seu cotidiano. Vitória ia à farmácia, ao mercado, a restaurantes e a academia, ela comenta que percebeu que em mercados e em lojas o distanciamento não era tão controlado como em farmácias e restaurantes. Sua sociabilidade também não foi afetada, já que sempre que possível encontrava-se com as amigas. Mesmo assim, Vitória afirma que a pandemia afetou seu psicológico, principalmente devido à insegurança sobre o futuro e o medo que o vírus SARS-Cov-2 contaminasse alguém da sua família. Outro ponto que deixava a estudante de odontologia demasiadamente nervosa eram as aulas remotas, sempre antes de uma aula teórica Vitória estudava intensamente, e tinha muito medo da aula não ser produtiva. Para ela, o retorno às aulas presenciais foi um alívio, pois voltou a ter o contato com amigos, professores e pacientes. Vitória sente-se segura com o retorno, acredita que a universidade é um local seguro, principalmente quando está nos laboratórios ou na clínica, onde todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são obrigatórios.

Danielle Lima teve seu quadro de depressão agravado na pandemia — Arquivo Pessoal

Para a paulista Danielle de Sá Lima, a pandemia também teve efeitos psicológicos. Danielle conta que desde 2019 enfrenta um quadro depressivo que a afastou da faculdade e dos amigos, o que gerou uma síndrome de pânico. Com a reclusão causada pela pandemia, Danielle sente mais dificuldade para conversar com as pessoas e fica muito apreensiva quando pensa no retorno ao convívio social, além disso, todo esse cenário pandêmico a deixou muito pessimista, sem conseguir ver um momento em que a vida voltará ao normal. Seu quadro depressivo aumentou nesse período, no início da pandemia ela tomava quatro comprimidos diários para o tratamento, agora são nove comprimidos. Danielle também conta que perdeu a tia para a Covid: “É uma coisa, assim, que mexe bastante comigo, ela (a tia) era muito próxima de mim e a gente ainda não sabe como lidar com isso”. Danielle ainda não se sente segura para sair de casa e só sai quando é necessário, como para consultas, por exemplo.

Yanara Silva não fez home-office e não se sentiu psicologicamente afetada pelo distanciamento social — Arquivo pessoal

Diferente de Danielle, Yanara Silva, estudante de enfermagem no Rio de Janeiro, que também trabalha vendendo sorvetes em uma rede de franquia alimentícia, a pandemia não a afetou psicologicamente, pois sua rotina pré pandemia era basicamente ir da casa para o trabalho e do trabalho para casa, rotina que não se alterou com a pandemia. Como seu trabalho é com a venda de sorvetes, Yanara não teve a opção de fazer home-office. Yanara também não sentia insegurança ao frequentar lugares com maior número de pessoas e afirma que sempre seguiu todas as orientações de segurança.

Para o professor da Unipampa, Marco Bonito, o isolamento social tem sido seguido à risca. Marco só sai de casa para fazer exercícios físicos, sempre com distanciamento de outras pessoas, e em casos de emergência, para resolver algo que realmente necessite ser presencial. Todas as compras que precisa também têm sido feitas por meio do Whatsapp.

O professor Marco Bonito enfrenta uma depressão que foi desenvolvida durante a pandemia — Arquivo pessoal

Marco conta que começou a fazer tratamento psicológico, pois tinha muita dificuldade de separar o trabalho, de forma remota, dos momentos de descanso, e, por ordens médicas, foi que começou a fazer os exercícios físicos na rua. Sua maior preocupação agora é sobre como será a volta ao normal, a convivência com outras pessoas e o medo da transmissão do vírus. Nele, há também o sentimento de frustração, em ver que enquanto ele fez a sua parte, muitas pessoas deixaram o distanciamento social de lado e foram para baladas e festas. Marco comenta que em sua família havia seis pessoas com mais de 90 anos, com a pandemia, somente seu avô, de 97 anos, continua vivo: “Eu acabei desenvolvendo uma síndrome de pânico, várias crises de ansiedade. Eu tô fazendo tratamento desde fevereiro, agora já não lembro exatamente, mas desde fevereiro ou março que eu comecei a fazer tratamento psicológico e psiquiátrico. E aí tudo em função disso (pandemia). E eu desenvolvi uma depressão muito profunda, eu e minha companheira. Os dois entraram em depressão muito profunda. Eu só tô… eu só tô conseguindo ficar de pé assim (por causa da terapia), no sentido de conseguir dar aula e conseguir fazer as coisas que eu preciso, assim mesmo com muita muita dificuldade”.

A pandemia causou uma série de efeitos sobre a vida das pessoas, seja econômica, social ou psicológica. Quando o assunto é ansiedade, depressão ou qualquer outro problema de saúde mental, é essencial buscar ajuda especializada. Os problemas psicológicos podem gerar vários transtornos que afetam a qualidade de vida e o comportamento pessoal, por isso, ao notar os primeiros sintomas, é preciso buscar ajuda. Mas também não é necessário esperar ter uma crise de ansiedade, por exemplo, para buscar ajuda profissional. Por exemplo, a psicoterapia é indicada para todos, pois ajuda a ter uma qualidade de vida melhor, a lidar melhor com os problemas e as emoções.

Regiane explica que temos vários tipos de ansiedade, uma das doenças mais comuns da sociedade moderna. “Então você tem aquela ansiedade natural, de quando vai pra uma entrevista ou quando você tá fazendo a sua primeira semana de trabalho. Tem aquelas ansiedades que nos paralisam e que faz que nós não consigamos alcançar os nossos objetivos. E temos uma ansiedade generalizada… Essa, então, atrapalha muito a vida do profissional ou de qualquer pessoa de forma comum. Então, lidar com a ansiedade é também primordial. Você precisa observar se essa ansiedade está te atrapalhando, se começou a atrapalhar a sua vida, você precisa buscar uma ajuda.” recomenda a psicóloga.

Como existem diferentes tipos de ansiedade também existem diferentes tipos de tratamento, mas alguns hábitos e exercícios podem ser feitos em casa, sem contraindicações. “Fazer uma atividade física, um exercício de respiração, uma prática de meditação, cultivar a fé que você conhece, a fé que você tem, ajuda e muito, porque nos acalma. Ouvir uma música, que aquilo te remete a um tempo bom, músicas calmas para relaxamento, tudo isso faz com que a nossa mente se acalme, então toda essa questão do excesso de cortisol que é distribuído vai acalmando, fazer respiração tranquiliza, você fica num estado de relaxamento, você fica menos estressado, e isso ajuda consideravelmente”, conta Regiane.

A pandemia afetou a todos, tornando, para muitas pessoas, a vida mais difícil. A ajuda profissional é a mais indicada para auxiliar nesses momentos. O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza atendimento psicológico gratuito, que conta não apenas com psicólogos, como também psiquiatras, terapeutas e assistentes sociais. Em São Borja, há atendimentos gratuitos através do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços que têm unidades localizadas em diferentes partes da cidade. Abaixo, estão os endereços e os telefones para contato:

  • CRAS Centro: Av. Pres. Vargas, nº 1429. Fone: (55) 3431–9993
  • CRAS Passo: Rua Alberto Benevenuto, n ° 680. Fone: (55) 3430–1630
  • CRAS Paraboi: Rua Gustavo Sampaio, n ° 1559. Fone: (55) 3431–2313
  • CRAS Leonel Brizola: Francisco Koltermann, n ° 1650. Fone: (55) 3431–1555

Funcionamento: de segunda a sexta-feira das 7h30m às 12 e das 13h30m às 17h.

  • CREAS: Olinto Arami Silva, n ° 362 (Antigo Hospital São Francisco) — Fone: (55) 3431–8799.

Funcionamento: de segunda a sexta-feira das 7h30m às 12h e das 13h30m às 17h.

  • CAPS: Rua Eddie Freire Nunes, 496 Bairro: Centro — São Borja — RS — Cep: 97670000. Telefone: (55)43311669
  • Secretária municipal de saúde: R. Cel. Lago, 1822 — Centro, São Borja — RS, 97670–000. Telefone: (55) 3430–4010

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Larissa Vasconcelos

Jornalista. Interessada em pautas políticas, econômicas, cinematográficas e literárias.